quinta-feira, 31 de julho de 2014

Restruturação do calendário do futebol brasileiro - premissas a serem consideradas.

É fato que há muito tempo se discute que o calendário do futebol brasileiro é excessivo e moroso, e se cogita que talvez seja uma das razões para a queda de qualidade dos jogos e dos times em geral. Muito também se diz a respeito de se acompanhar o europeu. Mas para efeitos de mudança, não nos devemos esquecer que o nosso futebol foi formado e emancipado de uma forma completamente diferente daquela do continente europeu. 

Para se ter uma ideia, até meados da década de 80 os torneios estaduais eram tão importantes que os times os privilegiavam em detrimento da Copa Libertadores ou até do Campeonato Brasileiro. Prova disso que na virada da década de 90 somente três brasileiros ganharam o título sul-americano, ao passo que os argentinos colecionavam 15 títulos. 

Tratando de território, ao contrário dos países europeus, o Brasil é um país de proporções continentais, o que tornava custosa a peregrinação de equipes como o Santos, Palmeiras e Botafogo, alguns dos grandes dos anos 60. Por outro lado, o calendário era recheado de amistosos nacionais e internacionais, os quais eram alguns dos principais meios de os clubes participantes angariar fundos e manter os seus principais jogadores. Assim, valia mais a pena disputar os estaduais e ainda jogar uns amistosos fora do país.

Esta prática dos nossos times se arrefeceu de tal modo que hoje quase não se ouve falar de amistosos internacionais pelas equipes brasileiras, ao passo que os grandes europeus investem em jogos no próprio continente, e especialmente na Ásia e América do Norte, as novas fronteiras do futebol. 

Na década de 1990, em especial no biênio 1993-1994, os campeonatos regionais começam a dar lugar em importância para os nacionais e em especial para a Libertadores, que os brasileiros redescobriram com o São Paulo. Ao mesmo tempo, os campeonatos nacionais da Europa e o próprio Europeu foram reorganizados. Nascia ali, por exemplo, a Premier League e a Copa dos Campeões.

A Europa planilhou. Os calendários europeus passaram a ser cada vez mais padronizados e previsíveis, o que permitiu a previsão de novas receitas estáveis e relativa independência com a TV. Isto só começou a ser feito após 2003 no Brasil, e nos últimos 5 anos com a popularização da figura do sócio-torcedor. 

Já no Brasil, a última década foi palco do crescente desprestígio vivido pelos Estaduais, que passaram a ser vistos mais como uma grande pré-temporada do que títulos importantes. Deve se lembrar, porém, que o torneio é em muitos casos centenário e pode envolver mais de 100 times, considerando todas as divisões. 

Infelizmente, as equipes menores que já foram importantes, como Ferroviária, Juventus, Bangu, América-RJ, América-MG perderam muito espaço para os chamados times de empresários ou de mecenas, caso do Barueri, Santo André e São Caetano, além de outras equipes menores que chegaram ou ganharam as finais.

No que toca aos grandes, de certa forma ainda ocorre certo equilíbrio. Como já destaquei em outros posts neste blog, temos 12 times gigantes no nosso futebol - Atlético Mineiro, Cruzeiro, Santos, São Paulo, Palmeiras, Corinthians, Vasco, Flamengo, Botafogo, Fluminense, Internacional e Grêmio. E ainda times de muita tradição como o Atlético Paranaense, o Coritiba, o Bahia e o Vitória e o Sport e a Portuguesa. Isso significa que, em um campeonato com 20 times e 4 rebaixados, ao menos dois destes times cairá - caso todos joguem a primeira divisão. 

Sem falar em outras boas equipes como Ponte Preta, Guarani, Juventude, Paraná, Goiás, Santa Cruz e Náutico. São as que sobraram do abismo que foi criado entre os times tradicionais e os sazonais. 

Então, na Série A temos 12 times com chances de título. Nos últimos 10 anos, 6 deles foram campeões brasileiros (Cruzeiro, Santos, Corinthians, São Paulo, Fluminense e Flamengo) e dois dos outros foram campeões da Libertadores (Atlético Mineiro e Internacional). Comparado com outros países, temos um número bem maior de times "grandes". Na Espanha são 3 ou 4 (Barcelona, Real, Atlético e Valencia), na Inglaterra, cerca de 4 (Arsenal, Liverpool, Manchester e Chelsea), o mesmo número na Itália (Milan, Roma, Inter e Juventus) e na Alemanha 2 ou 3 (Bayern Munchen, Leverkusen e Borussia). 

Hoje a média de jogos de uma equipe brasileira gira entre 38 jogos no nacional, 17 jogos no estadual, 6 na Copa do Brasil e 10 na Libertadores. São cerca de 70 jogos, o que não difere muito das equipes do Barcelona (70) e Chelsea (76), ambos em 2012/2013. Com uma peculiar diferença: as equipes europeias jogaram entre 6 a 8 amistosos, a maioria internacionais e com passagens por outros continentes. 

Considerando estas informações, para se reestruturar/montar um calendário do futebol brasileiro de forma dinâmica, deve se levar em conta:

- O Brasil é um país de proporções continentais. 
- É mais caro e mais demorado viajar de Porto Alegre a Recife do que de Valencia a La Coruña. 
- Temos 12 times grandes e mais 6 times tradicionais.
- Os estaduais são torneios centenários que envolvem muitos times além da primeira divisão.
- Por outro lado, a maioria dos times pequenos viraram equipes de empresários ou sazonais.
- As equipes grandes passaram a tratar os estaduais como pré-temporada.
- Há relativo sucesso na criação de torneios regionais.
- A mutação dos estaduais passa pela estrutura de poder das federações, que elegem o presidente da CBF, o que torna o sistema rígido.
- As equipes brasileiras tem oportunidades e convites, mas dispõem de datas precárias para jogar amistosos no exterior
- As equipes brasileiras precisam se reafirmar no exterior como forma de angariar e melhorar patrocinios, e por tabela, manter times competitivos.
- O calendário europeu segue a temporada das estações, de forma aos jogadores terem férias na primavera/verão (meio do ano).
- As estações são invertidas no hemisfério sul e as equipes disputam competições no meio do ano, tendo férias para os jogadores no fim do ano. 
- Deve se conciliar jogar os campeonatos internacionais e as copas nacionais.
- Deve se conciliar férias.
- Deve se propiciar aos times a previsão de receitas.
- Podemos humildemente voltar nossos olhos aos campeonatos argentino, chileno, uruguaio, colombiano, equatoriano, paraguaio, etc.. 

Estas são algumas das premissas que devem ser adotadas para criar um calendário. No próximo post, faço uma resenha e um rascunho de planos para reestruturação, com ideias para se trabalhar outros aspectos importantes, como as equipes de juniores e o incentivo para se fazer mais gols. 

Plus - Estatísticas a serem levadas em conta

Em 1969, o Santos, principal time do país, jogou o torneio Início (quatro jogos de 20 minutos no mesmo dia), 9 amistosos na África, incluindo a seleção do Congo, o Paulista (fevereiro a junho), o Torneio Cidade de Cuiabá, a Recopa Sul-americana, o Torneio dos Campeões, a Recopa Mundial, três amistosos no Paraná, 7 amistosos na Europa, a Taça de Prata, a mais dois amistosos e outra Recopa Sul-Americana. Um total de 81 jogos. 

Em 1979, o Internacional, melhor time da época, disputou, entre regional, brasileiro e amistosos, nada menos que 90 jogos. Isto porque não disputou a Libertadores ou outro torneio internacional oficial. O Guarani, que disputou o torneio sul-americano, jogou 83 partidas. 


Em 1989, ano em que foi campeão, o Vasco jogou 61 jogos, com destaque para cinco torneios amistosos. 

O Atlético Mineiro jogou 71 jogos em 2013. Nenhum destes foi amistoso. Em 2012, o Barcelona jogou 63 jogos e o Chelsea 76 jogos. Ambos com amistosos na Ásia e na América do Norte

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